Acho engraçado quando as pessoas dizem que “novíssimo cinema brasileiro” não quer dizer nada, e que é preciso achar um conceito mais preciso para delimitar (demarcar) o que vem acontecendo num certo cinema brasileiro. Dizem que os filmes são diferentes, que não é questão de idade (pois há cineastas velhos que fazem filmes antenados, e jovens que fazem filmes caducos) nem mesmo de fontes de financiamento (há filmes sem grana “novelinha” e há filmes com editais que são antenados), etc, etc. Acontece que sempre foi assim. Os nomes são apenas “rótulos”, e nada dizem. Mas por outro lado dizem algo sim: reconhecem que algo está acontecendo, e que isso não é isolado de um ou outro filme, mas que “há algo no ar que os une”. Fica-se discutindo que não há nada de novo no “novíssimo cinema brasileiro”, e o termo “novíssimo” é equivocado. Claro que é. Mas se de um lado não há nada de novo, por outro é claro que há algo de novo. Ficam cobrando “definições” ou “características” do chamado novíssimo, e é claro que isso é uma casca de banana. Por exemplo, é só pensarmos no “neorrealismo italiano” ou na “nouvelle vague francesa” ou mesmo no “cinema novo brasileiro”. O que é o neorrealismo italiano? O que liga esses filmes? Se formos entrar nessas definições pra valer, vamos começar a ver as contradições desse rótulo. Ladrões de Bicicleta foi filmado a partir de uma produção de estúdio com grande orçamento, com todos os raccords e cheio de carrinhos e refletores. Ou ainda, um filme como Arroz Amargo, do de Santis, apesar de ter todo um cacoete de neorrealismo, na verdade não carrega consigo a essência do neorrealismo, porque não está preocupado com a condição de trabalho das mulheres nas plantações de arroz, e sim nas pernas da Silvana Mangano, e foi isso com que fez com que o filme fosse de boa bilheteria. E, aliás, “neorrealismo” é “neo” em relação a quê? Esse termo é bom? Claro que não é, claro que não dá conta dos filmes, mas ao mesmo tempo esse termo é ótimo porque é um registro de que num determinado momento e lugar “havia algo de novo no ar”, um “espírito cinematográfico renovado”. A mesma coisa é a nouvelle vague francesa. Resnais é nouvelle vague? Não, mas ao mesmo tempo é. Ou, “o velho Bresson”, quando fez Mouchette, foi chamado de nouvelle vague? Não, porque é de outra geração. Mas ao mesmo tempo Rohmer quando fez O Joelho de Claire sim, apesar de ser bem mais velho que Godard ou Truffaut. Mas e O Signo do Leão, é nouvelle vague? E La Pointe Courte, é nouvelle vague? Não é, mas é mais nouvelle vague do que muito filme da nouvelle vague. É por aí. É questão de grana? Mas e Godard, quando fez O Desprezo, quase um projeto de encomenda do produtor Carlo Ponti, se vendeu ao sistema, ou deixou de ser nouvelle vague por isso? E outros e outros e outros exemplos podem ser listados. Há sim um “novíssimo cinema brasileiro”. Se o nome é bom ou não, não importa. É ruim mesmo, porque os rótulos não conseguem dar conta dos filmes, da singularidade dos filmes e dos realizadores. E esses filmes mudam, porque os realizadores mudam, porque o mundo muda, ele nunca é o mesmo. Vejam Rossellini, que pouco depois dos “marcos neorrealistas” fez Stromboli ou Viagem à Itália, que foge da “cartilha” do neorrealismo, ou Visconti quando fez o grandioso Sedução da Carne, etc. Esse termo é impreciso, incorreto, contraditório, não há nada de novo, é difícil dizer o que une um certo conjunto de filmes em um termo só, e há coisas que não se encaixam muito bem (Cavi é “novíssimo”? Filmes como Riscado ou Bollywood Dream são “novíssimos”? Adirley é “novíssimo”?). Essa discussão “do que é” e “do que não é” é muito chata, e é uma casca de banana. O que importa – e esse é o foco da discussão – é que sim, há algo de novo no ar no cinema brasileiro de hoje, que foge dos circuitos oficiais de fontes de financiamento, modo de produção, distribuição e exibição, ou como esses filmes trabalham com o tempo, com o espaço, com a narrativa, com os personagens, com a cidade, embora, possam esbarrar, em maior ou menor grau, nos modelos mais tradicionais. Todas essas cascas de banana que algumas pessoas podem jogar (ou ainda, melhor dizendo, todas as ressalvas justas que possam ser feitas à insuficiência desse rótulo) não podem nos fazer desistir da aposta de que há algo raro, singular, acontecendo no cinema brasileiro de hoje. Podem até fazer críticas a como certos grupos se apropriam politicamente do uso desses termos para reivindicarem espaços de legitimidade e poder – uma questão pantanosa que pelo menos aqui não vou adentrar – mas não dá pra agir como se “para jogar a água fora da bacia tivéssemos que jogar a criança dentro”.

Comentários

daniel disse…
Marcelo, que "há algo de novo no ar" eu acho fácil de defender. Que este "algo de novo" não se resuma às condições de produção mais simples que décadas atrás e à natural mudança de gerações, aí é complicado e tem consequências que precisam ficar claras. Inclusive porque podem ser justas.

Recortes bastante precisos seriam os de datas. Datas de produção (todos os filmes do novíssimo cinema são os feitos, por exemplo, de 2005 pra cá), de idade (todos os filmes do novíssimo são os dos realizadores com menos de 35 anos) ou de experiência (todos os filmes do novíssimo são os de realizadores que fizeram seus primeiros filmes depois de 2005, por exemplo).
Mas quando vc fala em filmes que "trabalham com o tempo, com o espaço, com a narrativa, com os personagens, com a cidade", sugere um recorte específico dentro do universo de filmes que andam sendo feitos.

Quem define esse recorte? O que define? Por que define?

Não se trata de jogar a criança fora junto com a água da bacia, nem de deixar a criança na bacia cheia até morrer afogada. É questão de entender o que se faz.

Nesse sentido, queria apontar uma outra casca de banana, a da paranóia desconfiada e recalcada. É a do uso politico das "igrejinhas", que nossa tradição nos dá todos os motivos pra desconfiar mesmo - mas não dá pra deixar a paranóia mandar na realidade. Antes de serem "estratégias" para chegar ao poder, agregamentos de pessoas são um fundamento saudável da vida. Do mesmo modo, como qualquer ação dentro da comunidade é política, o uso da expressão "novíssimo cinema brasileiro" é e sempre será política, a menos que se restrinja aos conceitos precisos que enumerei acima.

Por isso, não é justo escorregar na casca de banana da paranóia dos "usos políticos". É preciso assumir esse uso político, com a honestidade de quem vive (fazendo ou falando) este novíssimo fazer política para afirmar o seu lugar - seja errado ou errante, mas seu.
Cinecasulófilo disse…
oi daniel. é por aí mesmo. primeiro é tentar enfrentar o que são esses filmes, mas sabendo que essa expressão "não vai dar conta disso". Mas estou querendo apontar que não é nem um mero modismo nem um uso politiqueiro (vou tentar diferenciar esses termos "políticos" e "politiqueiros"). Por isso gostei muito quando você fala da "paranoia das igrejinhas". É isso mesmo. É um uso político do termo, mas não politiqueiro. Meu texto, um tanto provocativo, tenta jugar um pouco de luz nesse debate, tentar trazer algo que evite consolidar posições que parecem que já estão como dadas, mas o buraco é mais embaixo. abs ik.

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